13/02/09



A QUEDA




Quando Eva se deixou seduzir pela serpente e comeu a maçã, que depois dividiu com Adão, estava, sem o saber, a dar origem a uma das quedas mais famosas da história da humanidade. Felizmente, o cronista estava lá, viu e registou no livro sagrado da tradição católica esse início atribulado da humanidade pecadora.
Desde então, e ao longo da sua história, muitas têm sido as quedas que ficaram para sempre gravadas na memória colectiva da humanidade, como, por exemplo, a queda do Muro de Berlim, que simbolizou o desmoronamento do Bloco de Leste. No caso português, e reportando-nos apenas ao século passado, a queda mais célebre foi a de Salazar, que caiu da cadeira em 1968. Entretanto, e em tempos recentes, também ficaram famosas as quedas do João Pinto que, no Benfica, eram mergulhos para a piscina e no Sporting passaram a ser penaltys (deve ter havido alguma alteração legislativa da qual o cronista nunca se apercebeu). Mas agora, e a partir do passado dia 01 de Fevereiro, a queda mais famosa, e que já fez correr mais tinta do que qualquer uma das referenciadas, passou a ter como protagonista um argentino, de nome Lucho González, muito bem secundado por um português, sócio do SLB desde pequenino, chamado Pedro Proença (a sorte que o Benfica tem tido com os Pedros que, à excepção do Mantorras, só nos têm beneficiado esta época!).
O cronista estava lá e viu a famosa queda. Viu o Lucho González cair e cair dentro da área. Ora, diz a lei que a queda na área é penalty. Esteve muito bem o árbitro em assinalar o castigo máximo!
O cronista viu depois o Moreira cair na área e o fcp empatar. Se o Moreira tem caído na área do fcp também era penalty. Como caiu na área do SLB foi golo, pois se não tem caído a bola ia-lhe direitinha aos pés, possibilitando a sua defesa e evitando assim que o fcp colocasse ainda mais injustiça no resultado.
O cronista, como já referiu, estava lá e viu, apesar de só ter entrado 30 minutos depois do jogo começar, o que até foi bom pois viu o Glorioso jogar (rezam as crónicas que o fcp só jogou nos primeiros 25 minutos e devem ter razão por aquilo que o cronista pôde testemunhar!).
O cronista estava lá e fazia parte daquele grupelho que, “face às ocorrências recentes em compromissos da equipa visitante[1], e contrariamente ao que padronizava a organização portista, a “PSP decidiu juntar numa única coluna”, sendo sujeito a uma revista à entrada do estádio “forçosamente minuciosa”, que resultou na “apreensão de diverso material pirotécnico e de material passível de ser arremessado”. O cronista estava lá e viu alguns adeptos com petardos que “apenas foram detectados após vistoria ao calçado”. Claro que não foram todos obrigados a descalçar-se, apenas aqueles que apresentavam enormes inchaços nos pés, devido à volumetria dos referidos petardos. O cronista viu, mas o comunicado não refere, certamente por esquecimento, adeptos saudosistas da sequela do Rambo com granadas de mão, metralhadoras e obuzes que, felizmente, os agentes da PSP e os ARD’s recolheram antes de entrarem no antigo estádio da antas, agora apelidado estádio do dragão (que, segundo rezam as más línguas, era para ser chamado ‘Estádio Fernando Gomes’. O azar foi o Rui Rio ter ganho as eleições autárquicas!).
Já dentro do estádio, o cronista, incentivado pela impunidade de casos recentes, com o grupelho de que fazia parte, passou os 60 minutos de jogo a gritar “nós só queremos ver Lisboa a arder”, saudosos da campanha que o Imperador Nero fez para iluminar Roma e incentivou o tal grupo dos 1000 adeptos para que, no regresso à capital dos mouros, parassem em todas as áreas de serviço e, qual furacão Katrina, deixassem marcas da sua passagem.
Ainda relativamente às questões relacionadas com a segurança, o cronista viu e agradece ao fc porto a “larga experiência na organização de esquemas [2]” e a permanente disponibilidade “para discutir com todas as entidades no sentido de melhorar os procedimentos de segurança (…) em eventos que envolvem o bem-estar de 50 mil pessoas”, quase sendo tentado a convidar o fcp para organizar a segurança do Rock in Rio – Lisboa, por exemplo, atendendo a que tão boa conta tem dado do recado! Quanto ao “aparecimento de algumas tochas no sector visitante”, deviam ser dos tais 1000 adeptos que não faziam parte dos “dois grupos de 750” (ver Nota 1), e que terão utilizado os referidos objectos luminosos para iluminar a equipa de arbitragem!
Por tudo o que fica escrito, pode o cronista e todos os que o lêem ficar descansados, que “o fc porto costuma proceder à análise dos factos antes de avançar com conclusões (…) e não é hábito do clube dirigir responsabilidades próprias para terceiros”, daí o “planeamento de segurança para este jogo ter sido feito em consonância com a PSP”, pelo que, e para o fcp, “as palavras do Director Nacional da PSP não podem deixar de provocar alguma perplexidade”, palavras que se transcrevem, para que não restem dúvidas, nem ao fcp, nem aos adeptos do Glorioso: “o problema surgiu no estádio, com o número de entradas da fiscalização da segurança privada, dos ard’s (assistentes de recintos desportivos), que eram só dois e tivemos de solicitar o reforço do número de agentes, para que fosse mais acelerada a entrada dos apoiantes do Benfica”.
Palavras esclarecedores e cheias de significado e que motivam ao cronista o agradecimento à PSP pelo que fez no dia 01 de Fevereiro de 2009, possibilitando, assim, que os adeptos “da equipa visitante” vissem 59 minutos de futebol de primeira água. O minuto que não viram foi o da queda. Olhavam, à excepção do cronista, para os 1000 adeptos que estavam a acender uma tocha!


Às margens laterais:
Como dizia o maneta, mão há só uma!
[3]

(Algures, neste país à beira-mar plantado)
[1] As citações que se seguem foram retiradas, com a devida vénia, do douto comunicado do fcp, de 03 de Fevereiro de 2009, em que “esclarece o esquema de segurança concebido para o «clássico»”. Equivoca-se, no entanto o referido comunicado quando refere no ponto 1 “o FC Porto concebeu o esquema de segurança habitual (…) para a previsão de 2500 adeptos visitantes” e no ponto 2 “tendo em conta a expectativa de dois comboios com adeptos visitantes, o ideal seria separá-los em dois grupos de 750 cada”. Ora, segundo a matemática do cronista, dois grupos a 750 cada dá um total de 1500. Se eram 2500, onde foram parar os outros 1000?
[2] Negociata, arranjo, conluio, in Dicionário Houaiss de Sinónimos. (Sublinhado do cronista).
[3] Crédito: José SESINANDO in Jornal de Letras, Artes e Ideias, n.º 1000
@Kar Luz Estrela

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