UM DIA EM LANZAROTE
José levantou-se cedo. Ultimamente andava a dormir pouco devido às dores que ainda lhe atormentavam as costas, consequência da última viagem a Portugal, feita no dorso de um elefante propositadamente requisitado para o efeito pela coroa real sueca. Del Rio que já estava a preparar o pequeno-almoço, olhou-o no rosto cansado e comentou José, pareces levantado do chão! Estou tão cansado que já nem sei se viajei num elefante ou numa jangada de pedra. Tomou o seu leite com Nesquick e uns croissants miniatura com fiambre e queijo, acabados de entregar por um dos poucos vizinhos, um dos faz-tudo da Ilha, e que também distribuía, uma vez por semana, as várias centenas de quilos de correspondência que chegavam à Ilha, seguindo o exemplo daquele outro carteiro que vira num filme a entregar a correspondência ao Pablo Neruda. Depois de mais um pequeno-almoço reconfortante, José saiu para o seu passeio matinal na Ilha, sempre acompanhado por Del Rio. Embora não acreditasse no Éden na sua vertente bíblica, pois orgulhava-se da sua convicção ateísta, sentia-se ali como num paraíso. Graças a Deus, costumava pensar, que decidi crucificar José (o outro) a meio daquele famoso Evangelho. Assim, vi-me obrigado a refugiar-me neste local para fugir à ira daqueles energúmenos que se sentiram ofendidos na sua fé secular, a começar por esse Secretário de Estado, cujo nome nem ouso recordar. À época, foi uma decisão difícil de tomar, mas com a ajuda de Del Rio, afinal revelou-se uma Nobel resolução, acabando por ser reconhecida e premiada internacionalmente.
As manhãs passavam rapidamente, e aquela não fugiu à regra. Para almoçar, decidiram experimentar A Caverna, restaurante inaugurado no sábado anterior e que prometia comida tradicional ibérica. Finalmente, Portugal e Espanha unidos num único país, pelo menos naquele espaço, algo que como José sempre sonhara, poderia ser o princípio de uma futura união política. O almoço foi excelente e abundante. José comeu com tanta satisfação e revelou um apetite de tal modo devorador que Del Rio quase o repreendia. Não queiras duplicar o teu peso, homem!
A digestão foi feita no regresso a casa. Era a hora da sesta, mas José não tinha tempo a perder. Andava às voltas com um novo romance e todos os minutos eram importantes para não perder o fio à meada.
Anoitecia, quando Del Rio o chamou para jantar. Depois, na sala com vista para o mar, entre dois dedos de conversa e uns Pedro Domecq, foram conversando sobre tudo e sobre nada, qual espuma de mais um dia que se esfumava. Há uns tempos que ando para te dizer, Del Rio. Já sei o que fazer ao meu espólio. Vou criar uma Fundação e tu serás o seu Pilar. Dito isto, José adormeceu no sofá.
Bola para a bancada:
O verdadeiro teste de maturidade não é a idade de uma pessoa mas sim o modo como reage ao acordar em cuecas no meio da cidade. [1]
(Na Ilha, 13 de Março de 2009)
[1] Woody ALLEN, Sem Penas, Bertrand Editora, 1987.
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