ADEUS
(Uma alegoria em 3 capítulos)
(Uma alegoria em 3 capítulos)
I – ESPERANÇA
Chegou o Verão e com ele a agitação normal provocada pelos galos que, entretanto, tinham crescido e pelos que Lulu, o rei da capoeira, tinha comprado há uns dias, prevendo-se que ainda chegassem mais alguns.
Muitos não entendiam aquela política de aquisições, preferindo que deixassem crescer ainda mais os da casa que, num futuro próximo, estariam aptos para mandar na capoeira e impor a ordem e o respeito que só um galo de qualidade superior consegue. Não entendiam por isso como, tendo condições ideais para o desenvolvimento sustentado e equilibrado dos galos naturais daquela casa, Lulu continuasse adquirir nos mais diversos mercados, a preços exorbitantes e muitas vezes de qualidade duvidosa, galos que pouco ou nenhum valor acrescentavam à capoeira. Além disso, alguns desses galos já traziam incorporadas maleitas de vária ordem, o que tornava o seu rendimento quase nulo, revelando-se, por isso, um investimento deveras ruinoso para as já bastante depauperadas finanças da capoeira. Não percebiam tais compras, a não ser que servissem para lavagem de dinheiro ou para encher os bolsos de algum intermediário, bem como não entendiam que todos os dias a folha oficiosa da capoeira publicitasse compras e vendas de galos, como se estivessem num supermercado.
Naquele Verão, Lulu anunciava, mais uma vez, a quem o quisesse ouvir, que nesse ano tinha os melhores galos das capoeiras do distrito, pelo que ninguém os bateria em qualquer concurso, fosse de que tipo fosse: “melhor canto de alvorada”, “esporas mais lustrosas”, “penas mais brilhantes” ou “crista mais imponente”. Ninguém adquirira galos tão bons como ele e os adversários que se cuidassem! E para que não restassem dúvidas, promovera um dos galos mais carismáticos a seu braço direito, que ficou responsável por verificar as qualidades dos intervenientes, e que gozava de grande estima em toda a capoeira, não só no lado dos machos, como também as fêmeas o adoravam e tantas vezes sonhavam com um ovo com a sua assinatura.
Em pleno Verão, começaram os vários concursos promovidos pelas capoeiras do distrito. E aos galos desta capoeira era vê-los distintos, garbosos no seu porte, pavoneando-se (deveria escrever galando-se, já que se tratava de galos e não de pavões, mas estes tinham tanto de falsa imodéstia que era o que apetecia chamar-lhes), antecipando conquistas, fama e glória que, para já, não passavam de meras e remotas hipóteses.
E a realidade começou a mostrar-se um pouco adversa aos ilustres intentos de tão pseudo prestigiados galos. O início dos variados concursos foi titubeante, fraquinho mesmo, mas como as outras capoeiras também não estavam nos seus melhores dias, a coisa até acabou por se compor. E assim, ao fim de algum tempo, aqueles galos, contra todas as perspectivas dos adversários, estavam no lugar cimeiro no concurso “melhor canto de alvorada” (o melhor, o mais prestigiado, o mais cobiçado e o economicamente mais rentável) e quanto aos outros, a sua prestação fora até aí razoável no “esporas mais rentáveis”, tinham sofrido alguns percalços no “penas mais brilhantes” e mantinham-se firmes no “crista mais imponente”. A capoeira ia festejando da melhor forma possível tais performances, por vezes com festas de arromba, que duravam até altas horas da noite, de tal modo que chegou a acontecer que um ou dois dias a capoeira ficou a dormir até mais tarde porque nenhum galo acordou a tempo do canto de alvorada, o que foi visto por alguns visionários (tais Cassandras fora de tempo) como o prenúncio de que o lugar entretanto alcançado poderia estar em perigo. Mas quais troianos de orelhas moucas e ouvidos endurecidos pelas inebriantes festarolas, ninguém queria ouvir os presságios. O tempo era de alegria, era de esperança, havia que festejar e celebrar algo que já não ocorria há uns bons pares de anos.
Esperança era, aliás, a palavra mais ouvida na capoeira, desde os galos a Lulu, passando pelas galinhas. Este ano iria ser de arromba e não haveria galo que os batesse. Claro que apenas no “canto de alvorada” porque, apesar dos investimentos feitos no Verão, era notório que para os outros a manta não chegava. Mas isso era secundarizado pela conquista do título do principal concurso.
Passou o Verão, começou o Outono e a esperança não só se manteve como se reforçou, apesar de alguns pequenos tropeções de somenos importância. A confiança que se apoderara da capoeira transbordava pelo distrito e, ufano, Lulu gabava-se aos quatro cantos que os seus galos eram, finalmente, os melhores. Para já, só dali, mas em breve seriam também os melhores do mundo! Claro que os principais adversários, chefiados por Jojó e Fifi, e os restantes contendores não estavam muito dispostos a ouvir aquilo que consideravam simples e puras baboseiras e, sempre que podiam, ou lhes era permitido falar, porque as regras dos concursos eram muito rigorosas e botar faladura era só quando estava definido e previsto, achincalhavam Lulu e riam-se das suas veleidades de conquistar alguma coisa nesse ano. “Guardado está o melhor bocado!”, era frequente ouvi-los sussurrar nos corredores por onde circulavam e se cruzavam antes de cada prova dos concursos.
Mas Lulu não os ouvia. Esse ano ia ser da sua capoeira, nem que a galinha tossisse!
E o tempo parecia dar-lhe razão pois, de vitória em vitória, a capoeira chegou ao fim do Outono em primeiro lugar no concurso “melhor canto de alvorada”. Quanto às outras contendas, e à excepção da “crista mais imponente”, as coisas não iam famosas, mas isso pouco importância tinha. A esperança residia na capoeira e a vitória na principal competição ia ser canja…de galinha!
(há-de continuar um dia destes…)
Pé de galo:
Evite o vírus! Ferva o computador antes de o usar!
(aqui, hoje)
@Kar Luz Estrela
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